Ao longo deste texto é proponho-me refletir um pouco sobre a religiosidade num tempo difícil onde, por um lado, o homem foi desafiado pela ideologia dos tempos a usar a razão e a procurar respostas para as suas interrogações e, por outro lado, da igreja recebeu muitas vezes a famosa explicação “é assim porque sim!”

Nos novos movimentos religiosos, independentemente da origem, havia uma tónica: pregar ao intelecto e não à liturgia vazia de conteúdos inteligíveis esperando que isso fosse necessário para satisfazer as necessidades do homem. Por causa disso também começam a aparecer ideias sobre Deus e a sua relação com o humano, de indivíduos desligados da teologia.

Falar de evolução das fronteiras religiosas na Europa clássica é falar de um autêntico amontoado de facções que, a meu ver, concordavam em quase tudo mas os poucos e pequenos pontos de discórdia ideológicos foram suficientes para fazer correr muito sangue. Estas fronteiras ideológicas tomaram tal vulto que foram capazes de se transformar em fronteiras territoriais fracturando países como a Alemanha.

Muitas vezes divide-se esta discussão em dois pólos, de um lado os católicos do outro os protestantes. Mas para exercermos um pouco mais de rigor teríamos de fazer um outro tipo de análise, de um lado o cristianismo fiel ao papa e do outro lado o cristianismo que não lhe presta vassalagem. Mas existem grandes diferenças entre os vários tipos de cristianismo não católico que surgiram depois de Lutero.

Os pontos comuns entre todos os protestantes eram sem dúvida a rejeição da autoridade do papa e o facto de terem na Bíblia a sua fonte única de autoridade, uma autoridade que deveria ser colocada na mão de todo o povo. Enquanto o catolicismo defendia que só a Vulgata Latina poderia ser utilizada, os protestantes envidaram todos os esforços para traduzir a Bíblia para os diversos vernáculos. Mais à frente, as traduções voltaram a ser pedra de tropeço entre católicos e protestantes enquanto estes preferiam traduções do Velho Testamento a partir do Original (Hebraico e Aramaico), Roma continuava a afirmar que só a Septuaginta era fonte credível.

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Fig. 1 Martinho Lutero

O outro ponto em que todos os protestantes estão unidos, apesar do concílio de Trento ter veemente condenado, é o meio de salvação. A partir da descoberta do frei Martinho Lutero, a saber, “o justo viverá pela fé”, toda a comunidade protestante rejeitou todo o outro meio de salvação que não seja a fé. De Trento saiu o parecer do concílio: o homem não poderá salvar-se sem as obras onde estão também incluídas, entre outras coisas, as tão contestadas indulgências.

Depois destas apareceram mais um sem número de coisas nas quais os protestantes não eram unânimes e que por vezes até foi motivo de lutas entre eles. Como é o caso das imagens que continuaram a aparecer nas igrejas luteranas enquanto o lado calvinista era iconoclasta.

Quando falamos de fronteiras ideológicas ao cristianismo precisamos ter em mente que muitas das situações de rompimento com a igreja Católica Romana, não tiveram muitos contornos teológicos ou relacionados com a espiritualidade, mas esta foi a ponte utilizada para se libertar do jugo romano, ou por mero capricho do monarca, como foi o caso inglês, que muitas vezes trouxe avanços e recuos ao sabor dos interesses.

Se a Cristandade da Europa Ocidental tem sido fustigada ao longo deste tempo por um cristianismo romano criticável, a igreja ortodoxa passou tempos de severa mediocridade. Se foi necessário implementar uma contra reforma na igreja católica, a igreja oriental

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Fig. 2  Imperatriz Catarina II

estava igualmente a necessitar de algumas reformas. Já não era o bastante na Rússia o patriarcado ter sido substituído por Pedro, o Grande, ainda se lhe anexou o trabalho de Catarina II, uma das imperatrizes influenciadas pelas ideias das luzes, e que por isso confiscou em 1764 os bens da igreja e submeteu a igreja ao estado. A história da renovação da igreja ortodoxa foi escrita com um movimento de oração composto por senhoras. Juntamente com elas surgem as pregações apelando para ideais como a justiça social. No entanto o grande senhor desta renovação chama-se Nicodemos a quem se deve a obra Filocália que significa «Amor da beleza» e tantas outras obras traduzidas e escritas pela pena de Nicodemos.

O iluminismo trouxe grandes alterações sobretudo à forma de pensar. Muitas pessoas começaram a pensar até a sua relação com Deus através destes óculos iluministas. A razão era algo necessário e imprescindível na maneira de estar dos cidadãos esclarecidos. Eram as novas formas de relacionamento com Deus ou da gestão da espiritualidade, onde a razão ocupava o trono. Ao mesmo tempo as pessoas começam a pensar numa espiritualidade muito ligada com um relacionamento pessoal místico com a divindade e mais distante dos ritos litúrgicos.

O Ateísmo apesar de na sua essência já existir desde a antiguidade, encontra novo fôlego na idade moderna. “Na época moderna o ateísmo floresce no séc. XVIII através das doutrinas de La Mettrie, D. Holbach, Diderot e Vogt. Por sua vez Hobbes e Locke fundaram a base materialista da filosofia e psicologia modernas. No séc. XIX o materialismo incorporou-se nas teorias científicas e sociais avançadas para apresentar o ateísmo em sistemas como o positivismo.”[i]

O deísmo opõe-se ao ateísmo uma vez que acredita num ser supremo, mas rejeita a encarnação e tudo o que lhe parece sobrenatural, assim como não se revê nas práticas de culto. No entanto homens como Voltaire opõe-se aos autores da enciclopédia. Esta ideia acolhe o apoio de homens como John Locke ou como Rousseau, coloca Deus como criador mas apresenta um universo controlado através das leis naturais, onde o criador está distante.

O Teísmo foi outra das doutrinas que emergiu do meio do iluminismo, que se opôs a outras das ideias já apresentadas. “O teísmo indica a crença em poderes divinos; o ateísmo, por sua vez, nega a realidade desses poderes. O teísmo ensina que os poderes divinos nutrem interesse pelos homens, intervindo na história humana, responsabilizando os homens por seus actos, recompensando-os os castigando-os; mas o deísmo ensina que Deus divorciou-se da criação.”[ii] O argumento ontológico a priori defendido por Descartes e Espinosa que coloca Deus como a causa motora do cosmos foi alvo de severas críticas por Kant, que advoga que sem Deus o mundo estaria votado ao caos, ou seja apelando a Deus por questões mais morais do que por questões da cosmogonia.

Na Alemanha Luterana surge um novo movimento denominado por Pietismo. O primeiro nome que assina é Phillip Jacob Spener. João Wesley e o metodismo primitivo podem ser classificados como um movimento pietista. As suas ideias estavam assentes em experiências pessoais e místicas.

jansenismo

Fig 3 Os Jansenistas

Do lado católico, surge também um novo movimento com a assinatura de Cornelius Jansen, bispo de Ypres, que foi chamado de Jansenismo. “Persuadido da corrupção absoluta da natureza humana, salva única e exclusivamente pela graça de Deus que predestina à salvação, recusava toda e qualquer interpretação optimista do mundo”[iii]. Esta ideologia do bispo de Ypres serviu-lhe de moeda para comprar umas quantas inimizades: primeiro com os Jesuítas com quem entrou em discórdia, depois com o seu livro Agustinus que é uma obra escrita à luz do legado de Stº Agostinho e com a mira apontada aos Jesuítas; no entanto nesta obra o papa encontrou alguns pontos que considerou hereges. Apesar dos seus apoiantes o jansenismo foi perseguido em França até pelo próprio rei.

Bibliografia:

CHAMPLIN, R.N., ENCICLOPÉDIA DE BÍBLIA, TEOLOGIA E FILOSOFIA, Editora Candeia, 1995, S. Paulo, Brasil

CORBIN, Alain, História do Cristianismo, Lisboa, Editorial Presença, 1ª edição, 2008

DELUMEUA, Jean, A Civilização do Renascimento, Nova História, Lisboa, Editorial Estampa, 1994

Dicionário da Bíblia e do Cristianismo, Lisboa, Editora Planeta Agostini

Grande Enciclopédia Universal, Lisboa, Durclub, 2004

LINDBERG, Carter, História do Cristianismo, Lisboa, Editora Teorema, 2007

KNIGHT, A. e ANGLIN, W., História do Cristianismo, 7ª impressão, Rio de Janeiro – Brasil, CPAD, 1996

SCHWANITZ, Dietrich – Cultura, tudo o que precisa saber, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 8ª edição, 2007

STAUFFER, Richard, A Reforma (1517-1564), Lisboa, Livros do Brasil, 1970

TOURAULT, Philippe, História Concisa da Igreja, Biblioteca da História, Mem Martins, Publicações Europa América

 Pietismo, acedido em 28 de Maio de 2011 em http://pt.wikipedia.org/wiki/Pietismo

Igreja Ortodoxa, acedida em 29 de Maio de 2011 em http://www.fatheralexander.org/booklets/portuguese/igreja_ortodoxa_1.htm

[i] Grande Enciclopédia Universal, Vol. II, p. 1313

[ii] CHAMPLIN, R.N., ENCICLOPÉDIA DE BÍBLIA, TEOLOGIA E FILOSOFIA, Editora Candeia, 1995, S. Paulo, Brasil, Vol. VI, p. 330

[iii] Dicionário da Bíblia e do Cristianismo, p. 477